quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Coluna do Otávio Oliveira - O Vasco precisa nascer de novo


Eu estava em uma padaria no Rio de Janeiro. Vi Eurico Miranda dando uma entrevista na TV num domigo de manhã. Alguns minutos depois, estava em casa, com uma tremenda enxaqueca. Olhava o notebook não acreditando na vitória de Campello, o novo presidente vascaíno, e com a sensação de já ter visto esse filme antes. E vi. Se chama Os Presidentes do PMDB.

Pois é, meu Vasco ganhou seu próprio vice que chegou ao poder de maneira marota, derrotando J.Brant, o ganhador legítimo da eleição dos sócios. Beneficiado pelo surreal processo eleitoral vascaíno, tão fácil de entender como é pronunciar corretamente Knausgaard em norueguês, Campello rompeu com Brant a um dia da eleição e convenceu os conselheiros, que todo mundo descobriu agora que são os eleitores que importam. Depois da manobra, defendeu a união dos vascaínos como Temer um dia falou em unir o país. Um ano e cinco meses depois, estamos todos unidos, não?

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Eu era um torcedor que não via muita importância em Eurico Miranda. Todos os dirigentes de alguma forma eram e muitos ainda são “Eurico”. Menos hoje do que antes, mas o futebol brasileiro continua a valorizar os euriquismos: o vestiário do adversário pintado recente, a proibição do time visitante de reconhecer o gramado antes do jogo, os fogos no hotel, a manobra desleal, as negociações de bastidores, a esperteza. Se todos são assim, o vascaíno podia pensar, melhor ficar com o original.

Serviu para o Vasco vencedor dos anos 90, mas agora o resultado é trágico. Para não ficar só na opinião, números: 11 anos como presidente, 3 estaduais, algumas medidas recentes para recuperar o patrimônio e as finanças e, no mais, um clube arcaico, com um estádio desconfortável e a eterna penúria financeira. Compensa um pouco o descalabro uma única Copa do Brasil vencida, em 2011, na desastrosa presidência de Roberto Dinamite (como dói escrever isso).

Mas o ruim da história é como Eurico saqueou a imagem do Vasco. Não bastasse, nosso ex-presidente, de um clube inclusivo, expulso de um campeonato honrosamente por se recusar a ser racista, gosta de dar declarações contra gays.

E quando chegou finalmente a hora de se livrar do Entojo, o que consegue o vencedor? Mancha a história do Vasco sendo o primeiro presidente em 120 anos eleito contra o voto dos sócios. “Eles” aclamavam Eurico, não o Campello no dia da vitória. O novo presidente pode dizer o quanto quiser que tinha votos, mas depois da votação de novembro, para a torcida, era Julio Brant o símbolo da mudança. Pode ter suas razões, mas, como disse o Bruno Mazzeo, foi eleito pelo “Congresso do Vasco”.

Campello não é Temer. Para azar dele. Temer é impopular, porém controla os cofres, se entende com os políticos e, no fim de carreira, no fundo não sofre muito por ninguém gostar dele. É o oposto de ser presidente na atual situação do Vasco, com os cofres zerados e salários atrasados. Campello vai precisar de muita paz. São poucos os sócios – apenas 18 mil – para o seu tamanho. Quase oito vezes menos sócios-torcedores do que o Grêmio, deixando o clube em 18º no país. A razão? Quem sabe os 17 primeiros não dão as costas à torcida.

Torcedores protestaram com vídeos no fim de semana quebrando a carteira de sócio. O Vasco perdeu 18 mil seguidores nas redes sociais e houve vomitaços na página do clube no Facebook. É um modo errado de protestar. A torcida se sente traída, mas quem perde é o Vasco. Prejudicar o Vasco para prejudicar Campello repete a ideia errada, sempre aplicada a Eurico por outras torcidas, de que um dirigente é o Vasco.

Não sei se devo acreditar na sinceridade de Campello como oposição a Eurico. O MUV, grupo ao qual é ligado, foi o primeiro de fato a se levantar contra ele. Mas Campello escolheu ser eleito nestas circunstâncias, não pode reclamar. Pode até ser - quem sabe - o nome ideal para pacificar o clube, que há mais de dez anos afunda numa luta suicida. Por enquanto, o que conseguiu foi afastar do Vasco parte dos torcedores, o que nem Eurico fez. Hora de reparar o estrago.

Cento e vinte anos depois da primeira fundação, o Vasco precisa ser refundado. Deixar de ser uma guerra permanente de facções e negociar um pacto de convivência. Clube, empresa, governo, o que for, tão dividido é inviável.

Se Campello quer unir o clube, começa por apoiar a mudança no Estatuto e garantir mais respeito à torcida. O processo eleitoral indireto é um entulho de 1979, criado durante a ditadura. Não precisa ser a eleição direta, a luta com o poder exacerbado de 150 beneméritos nas suas entranhas seria fatal para o clube. Porém se o Vasco deseja a parceria dos sócios para sair das dificuldades, precisa fazer o voto deles valer. Chega de golpes. E negociar isso seria um legado dos prejudicados de agora para a democracia do clube.

Era para o time estar vivendo a ansiedade da primeira estreia na Libertadores depois de seis anos e o que são as notícias? Os salários atrasados levaram à saída do eficiente zagueiro Anderson Martins, ídolo da torcida, de graça para o São Paulo, e Madson (dessa saída não reclamo tanto) para o Grêmio por um valor ridículo.

No meio da bagunça que foi o fim do mandato de Eurico, o pobre técnico Zé Ricardo, obrigado a trabalhar nestas condições, ainda viu ir embora Mateus Vital, meia de 19 anos que, apesar dos altos e baixos, vinha evoluindo e foi autor do gol que garantiu o Vasco na Libertadores. Foi para o Corinthians. A estreia contra o Universidad de Concepción é no dia 31.

Para quem viveu fases de baixa nos anos 80 e 90, o que impressiona é como o Vasco se tomou sem perspectiva. Era criança no "pentavice" carioca de 1978 a 1981 (tem um campeonato extra no meio) e atravessei toda a maldita época do Flamengo de Zico. O Vasco, até Juninho, Edmundo e etc, era campeão poucas vezes, tinha, apesar de Dinamite, umas fases tétricas, mas sempre havia a certeza de que umas contratações e alguns jogadores promovidos formariam quase do nada um candidato ao Brasileiro – algo que sempre acontecia mesmo. Há muito tempo não é mais assim.

O que fez a torcida, ferida por três rebaixamentos, se empolgar com Brant continua vivo e urgente: a esperança de ver o Vasco moderno como o Flamengo, hoje com finanças saudáveis e times decentes. De ter um estádio confortável. A incompetência rubro-negra, muito maior, sempre mascarou um pouco o descalabro na administração do Vasco. Não é mais assim. É 2018 e o Vasco ainda atrasa salários como no ano 2000. Se não mudar, não vai ter mais forças para ir além de um rival local.

O Vasco de Dinamite, Romário, Edmundo, Juninho, Mauro Galvão, Dirceu, Bebeto, Felipe, Antônio Lopes, e tantos outros simboliza o melhor do futebol brasileiro e, pela sua história, o clube faz parte do que o Brasil tem de melhor.

Não é o clube das esclerosadas manobras eleitoreiras, do autoritarismo, da modernização que nunca vem e dos salários atrasados. Ainda é o time da virada. É o time do amor. Mas que virada difícil de amar.

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