Pois é, meu Vasco ganhou seu próprio vice que chegou ao poder de maneira marota, derrotando J.Brant, o ganhador legítimo da eleição dos sócios. Beneficiado pelo surreal processo eleitoral vascaíno, tão fácil de entender como é pronunciar corretamente Knausgaard em norueguês, Campello rompeu com Brant a um dia da eleição e convenceu os conselheiros, que todo mundo descobriu agora que são os eleitores que importam. Depois da manobra, defendeu a união dos vascaínos como Temer um dia falou em unir o país. Um ano e cinco meses depois, estamos todos unidos, não?
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Eu era um torcedor que não via muita importância em Eurico Miranda. Todos os dirigentes de alguma forma eram e muitos ainda são “Eurico”. Menos hoje do que antes, mas o futebol brasileiro continua a valorizar os euriquismos: o vestiário do adversário pintado recente, a proibição do time visitante de reconhecer o gramado antes do jogo, os fogos no hotel, a manobra desleal, as negociações de bastidores, a esperteza. Se todos são assim, o vascaíno podia pensar, melhor ficar com o original.
Serviu para o Vasco vencedor dos anos 90, mas agora o resultado é trágico. Para não ficar só na opinião, números: 11 anos como presidente, 3 estaduais, algumas medidas recentes para recuperar o patrimônio e as finanças e, no mais, um clube arcaico, com um estádio desconfortável e a eterna penúria financeira. Compensa um pouco o descalabro uma única Copa do Brasil vencida, em 2011, na desastrosa presidência de Roberto Dinamite (como dói escrever isso).
Mas o ruim da história é como Eurico saqueou a imagem do Vasco. Não bastasse, nosso ex-presidente, de um clube inclusivo, expulso de um campeonato honrosamente por se recusar a ser racista, gosta de dar declarações contra gays.
E quando chegou finalmente a hora de se livrar do Entojo, o que consegue o vencedor? Mancha a história do Vasco sendo o primeiro presidente em 120 anos eleito contra o voto dos sócios. “Eles” aclamavam Eurico, não o Campello no dia da vitória. O novo presidente pode dizer o quanto quiser que tinha votos, mas depois da votação de novembro, para a torcida, era Julio Brant o símbolo da mudança. Pode ter suas razões, mas, como disse o Bruno Mazzeo, foi eleito pelo “Congresso do Vasco”.
Campello não é Temer. Para azar dele. Temer é impopular, porém controla os cofres, se entende com os políticos e, no fim de carreira, no fundo não sofre muito por ninguém gostar dele. É o oposto de ser presidente na atual situação do Vasco, com os cofres zerados e salários atrasados. Campello vai precisar de muita paz. São poucos os sócios – apenas 18 mil – para o seu tamanho. Quase oito vezes menos sócios-torcedores do que o Grêmio, deixando o clube em 18º no país. A razão? Quem sabe os 17 primeiros não dão as costas à torcida.
Torcedores protestaram com vídeos no fim de semana quebrando a carteira de sócio. O Vasco perdeu 18 mil seguidores nas redes sociais e houve vomitaços na página do clube no Facebook. É um modo errado de protestar. A torcida se sente traída, mas quem perde é o Vasco. Prejudicar o Vasco para prejudicar Campello repete a ideia errada, sempre aplicada a Eurico por outras torcidas, de que um dirigente é o Vasco.
Não sei se devo acreditar na sinceridade de Campello como oposição a Eurico. O MUV, grupo ao qual é ligado, foi o primeiro de fato a se levantar contra ele. Mas Campello escolheu ser eleito nestas circunstâncias, não pode reclamar. Pode até ser - quem sabe - o nome ideal para pacificar o clube, que há mais de dez anos afunda numa luta suicida. Por enquanto, o que conseguiu foi afastar do Vasco parte dos torcedores, o que nem Eurico fez. Hora de reparar o estrago.
Cento e vinte anos depois da primeira fundação, o Vasco precisa ser refundado. Deixar de ser uma guerra permanente de facções e negociar um pacto de convivência. Clube, empresa, governo, o que for, tão dividido é inviável.
Se Campello quer unir o clube, começa por apoiar a mudança no Estatuto e garantir mais respeito à torcida. O processo eleitoral indireto é um entulho de 1979, criado durante a ditadura. Não precisa ser a eleição direta, a luta com o poder exacerbado de 150 beneméritos nas suas entranhas seria fatal para o clube. Porém se o Vasco deseja a parceria dos sócios para sair das dificuldades, precisa fazer o voto deles valer. Chega de golpes. E negociar isso seria um legado dos prejudicados de agora para a democracia do clube.
Era para o time estar vivendo a ansiedade da primeira estreia na Libertadores depois de seis anos e o que são as notícias? Os salários atrasados levaram à saída do eficiente zagueiro Anderson Martins, ídolo da torcida, de graça para o São Paulo, e Madson (dessa saída não reclamo tanto) para o Grêmio por um valor ridículo.
No meio da bagunça que foi o fim do mandato de Eurico, o pobre técnico Zé Ricardo, obrigado a trabalhar nestas condições, ainda viu ir embora Mateus Vital, meia de 19 anos que, apesar dos altos e baixos, vinha evoluindo e foi autor do gol que garantiu o Vasco na Libertadores. Foi para o Corinthians. A estreia contra o Universidad de Concepción é no dia 31.
Para quem viveu fases de baixa nos anos 80 e 90, o que impressiona é como o Vasco se tomou sem perspectiva. Era criança no "pentavice" carioca de 1978 a 1981 (tem um campeonato extra no meio) e atravessei toda a maldita época do Flamengo de Zico. O Vasco, até Juninho, Edmundo e etc, era campeão poucas vezes, tinha, apesar de Dinamite, umas fases tétricas, mas sempre havia a certeza de que umas contratações e alguns jogadores promovidos formariam quase do nada um candidato ao Brasileiro – algo que sempre acontecia mesmo. Há muito tempo não é mais assim.
O que fez a torcida, ferida por três rebaixamentos, se empolgar com Brant continua vivo e urgente: a esperança de ver o Vasco moderno como o Flamengo, hoje com finanças saudáveis e times decentes. De ter um estádio confortável. A incompetência rubro-negra, muito maior, sempre mascarou um pouco o descalabro na administração do Vasco. Não é mais assim. É 2018 e o Vasco ainda atrasa salários como no ano 2000. Se não mudar, não vai ter mais forças para ir além de um rival local.
O Vasco de Dinamite, Romário, Edmundo, Juninho, Mauro Galvão, Dirceu, Bebeto, Felipe, Antônio Lopes, e tantos outros simboliza o melhor do futebol brasileiro e, pela sua história, o clube faz parte do que o Brasil tem de melhor.
Não é o clube das esclerosadas manobras eleitoreiras, do autoritarismo, da modernização que nunca vem e dos salários atrasados. Ainda é o time da virada. É o time do amor. Mas que virada difícil de amar.
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